Procuradoria da Mulher da Alep aponta violência política de gênero em sessão da Câmara Municipal de Foz do Jordão e pede providências ao MP

Vereador Antônio dos Santos (PP) afirmou que Procuradoria da Mulher no município não faz nada. Em nota, parlamentar admitiu que se exaltou, mas negou ter sido machista.

A Procuradoria Especial da Mulher, da Assembleia Legislativa do Paraná, pediu ao Ministério Público do estado providências sobre episódio registrado em sessão da Câmara Municipal de Foz do Jordão, no sudoeste do Paraná.

Conforme o ofício enviado nesta sexta-feira (16), o vereador Antônio dos Santos (PP), conhecido como “Antonês”, cometeu violência política de gênero em fala direcionada à vereadora Noreci Claro (PSB).

Segundo a Procuradoria, a violência fica evidente especialmente em três trechos da fala do parlamentar: quando ele afirma que a Procuradoria da Mulher no município não faz nada, quando diz que o órgão foi instalado graças a ele e ao afirmar que a colega “rouba dinheiro da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae)”.

A situação aconteceu no dia 5 de junho enquanto a sessão era gravada e transmitida. Assista ao vídeo.

“Foi um arrependimento ter montado a Procuradoria da Mulher porque não faz nada. O vereador presidente Douglas, eu te dou os parabéns de retirar elas de uma sala grande e colocar em um cubiquinho [sic], porque realmente, não tem serventia nenhuma, não faz b**** nenhuma”, afirmou Antonês na sessão.

Conforme o ofício, a situação se classifica como um episódio de violência política de gênero.

Por meio de nota, o vereador Antonês admitiu que se exaltou, mas negou que as falas tinham conotações machistas.

“Minhas falas foram direcionadas à conduta da referida vereadora e não ao seu gênero. Se qualquer outro vereador ou vereadora tivessem a mesma conduta, também sofreriam críticas de minha parte”, diz a nota.

Também por meio de nota, o presidente da casa, Douglas Antunes Moreira (PSL), afirmou que os envolvidos foram orientadas sobre as medidas judicias cabíveis, assim como, sobre as medidas dispostas no Regimento Interno e na Lei Orgânica Municipal.

Conforme o presidente, a Câmara não tem um Código de Ética, mas que deve ser implantado em breve. Por fim, afirma que presa pelo respeito mútuo e pela harmonia entre os parlamentares.

“Nesta oportunidade este Poder Legislativo externa que não coaduna com qualquer tipo de fala ou prática violenta, muito menos com o acaloramento ocorrido entre os parlamentares no referido dia fatídico”, registra.

Boletim de ocorrência por calúnia

Confusão entre vereadores de Foz do Jordão, no Paraná — Foto: Reprodução

Confusão entre vereadores de Foz do Jordão, no Paraná — Foto: Reprodução

Na mesma sessão, o vereador afirmou que a Comissão Processante (CP) em andamento na Câmara e que investiga a vereadora Fabiane Manfé (PSB) era “culpa” da vereadora Noreci. Ambas fazem parte da Procuradoria da Mulher no município.

Além de vereadora, Manfé trabalha com a confecção de produtos têxteis. A comissão investiga a venda de cortinas, produzidas pela parlamentar, para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) do município. Noreci é diretora da ONG.

A comissão apurou que as cortinas para a associação custaram R$ 850 e foram compradas com dinheiro repassado por meio de fomento da prefeitura.

“A vereadora [Noreci], como fiscal, sabia que a vereadora [Fabiane Manfé] não poderia vender para a Apae com dinheiro do município”, afirmou Antonês durante a sessão.

Na mesma fala, Antonês disse que Noreci roubava da Apae.

“Nós sabemos que a senhora manipula a Apae, nós sabemos que a senhora até rouba da Apae, vereadora. Eu falo e provo, vereadora. Então, antes da senhora falar alguma coisa, a senhora lave essa boca nojenta sua, entendeu vereadora?”, afirmou.

No mesmo dia, a vereadora registrou um Boletim de Ocorrência contra o vereador por calúnia.

Parecer indica que a comissão entendeu “a improcedência da acusação apresentada” contra a vereadora Noreci. De acordo com o documento, a parlamentar não é proprietária, presidente e nem representante legal da Apae.

Conforme a Câmara, os trabalhos da comissão ainda estão em andamento e a vereadora Fabiane segue sendo investigada.

Ao g1, ela afirmou que não sabia que o dinheiro da venda era de fomento e disse que os valores foram devolvidos assim que teve ciência da origem.

Violência política de gênero

Conforme a Câmara dos Deputados, a violência política de gênero pode ser caracterizada como atos com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, impedir ou restringir o acesso. As mulheres podem sofrer violência quando concorrem, já eleitas e durante o mandato.

Essa violência é considerada uma das causas da sub-representação das mulheres na política e nos espaços de poder e decisão e, de acordo com a Casa, prejudica a democracia no país.

Mariana Bazzo, Promotora de Justiça no Ministério Público do Paraná (MP-PR), explica que uma lei publicada em 2021 estabelece normas para combater a violência política contra a mulher nos espaços e atividades relacionados ao exercício dos direitos políticos e funções públicas.

“Por séculos a mulher foi proibida de participar do espaço público e, estruturalmente, culturalmente, essa nova figura da mulher em cargos de poder ainda gera imensa resistência, sendo necessária também essa ação afirmativa que foi a lei de 2021 prevendo o crime de violência política de gênero, de forma a garantir direitos humanos daquela que disputa ou ocupa cargo político”, explica Bazzo.

De acordo com a promotora, em muitos casos esse tipo de violência ainda ocorre de maneira velada.

“Há um limite tênue na diferenciação de uma ofensa proferida contra uma mulher no desempenho de suas funções políticas com ou sem razão de gênero. Ou seja, deve-se observar, principalmente, se haveria aquela agressão da mesma forma se estivesse dirigida a um parlamentar homem ou se o fato ganha proporção criminosa principalmente por ser uma mulher o alvo”, esclarece.

‘Vontade de desistir’, diz vereadora

 

A vereadora Noreci afirma que após a situação se sentiu abalada. Ela considera grave passar por um episódio desse dentro do ambiente de trabalho.

“A gente está muito triste com isso, o sentimento é de perda, de vontade de desistir”, desabafou.

A atual gestão da Câmara Municipal de Foz do Jordão conta com nove vereadores: sete homens e duas mulheres.

As duas vereadoras envolvidas acreditam que o episódio faz parte de uma situação de violência de gênero e pedem providências.

“Não é normal. Se a gente não parar com isso, vai continuar até quando?”, diz Noreci.

Procuradoras assinaram nota de repúdio

Vereador Antonês fez acusações contra colega durante sessão da Câmara Municipal — Foto: Reprodução

Vereador Antonês fez acusações contra colega durante sessão da Câmara Municipal — Foto: Reprodução

A Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) publicou também uma nota de repúdio, assinada por 54 procuradoras, sobre a situação. O órgão tem como objetivo combater formas de violência e discriminação contra as mulheres.

Conforme a nota, “a fala do vereador revela e incentiva a cultura violenta que agride e ofende a todas as mulheres”.

“Em nenhuma esfera de poder deve-se aceitar que comportamentos agressivos às mulheres sejam considerados naturais. Estes devem ser sim punidos de maneira rigorosa, de acordo com a lei, principalmente daqueles que exercem funções públicas que deveriam zelar pelo humanismo e pelo respeito às mulheres, em atos e palavras”, reforçou.

A Procuradoria da Mulher ainda pede para que seja oferecida denúncia em face do vereador.

Fonte: G1 Paraná